Desde o século XVI milhões de negros
vindos da África chegaram à costa brasileira, são de diversas etnias,
que, mesmo considerada a diversidade cultural, comungam do fato de terem
perdido as referências territoriais e comunitárias.
Restavam-lhes apenas os valores e princípios que demarcavam sua visão de mundo.
Esse grupo utiliza as mais diversas formas e táticas de sobrevivência.
Importante que se diga, que não se tratava apenas de uma sobrevivência espiritual, mas principalmente do corpo, de uma forma de viver.
Importante que se diga, que não se tratava apenas de uma sobrevivência espiritual, mas principalmente do corpo, de uma forma de viver.
Diante da adversidade da escravidão, era
preciso recompor as referências perdidas. A religiosidade se prefigurou
como um dos caminhos possíveis nessa empreitada, e o Candomblé, dentre
outras manifestações religiosas se singularizou na manutenção de valores
e princípios negros na diáspora. O Candomblé em sua expressão de maior
magnitude, a comunidade-terreiro, permitiu a recriação de laços
comunitários e territoriais aniquilados com a escravidão.
Mas afinal o que é Candomblé?
Em primeiro lugar se faz necessário
pensar que se trata de uma poderosa síntese que se processou em
território brasileiro, sendo assim resultado de um longo e doloroso
processo histórico, no qual os negros escravizados e, posteriormente os
libertos, tecem laços comunitários e territoriais, consideradas as
diversidades adversidades. O negro se moveu, resistiu, se comunicou
entre os fios da rede da repressão.
Entender essa tensa rede de acordos e
enfrentamentos, de avanços e retrocessos, de disputas e acertos internos
é o longo caminho para se compreender o que é o Candomblé. Nesse
sentido, se lança mão aqui de uma metáfora para se tentar chegar a um
primeiro entendimento do que seja candomblé, ou pelo menos uma de suas
traduções possíveis:
Imagine que uma pessoa viaja até a
África e que lá chegando conhece um determinado prato da culinária
local, interessando-se pelo referido prato, solicita a receita e
descobre que alguns dos ingredientes não existem no Brasil, e, mesmo
assim, consegue os ingredientes e volta ao Brasil, onde resolve
reproduzir o prato, mas se propõe a algo mais, ou seja, resolve inventar
um novo prato, que embora contenha ingredientes africanos não lembra
nenhum prato conhecido na África.
Portanto é um prato brasileiro. Assim é o
Candomblé, pois mesmo considerados os elementos simbólicos e religiosos
africanos (ingredientes) é resultado do processo histórico na diáspora,
é síntese da inventividade dos partícipes. As palavras inventividade e
recriação são fundamentais à compreensão do papel do negro escravizado
ou liberto na diáspora.
O Candomblé agrega territorialmente
elementos que no território africano eram dispersos e objeto de cultos
locais e até isolados. Muniz Sodré nesse sentido afirma:
Do lado dos
ex-excravos, o terreiro de (de candomblé) afigura-se como a forma social
negro-brasileira por excelência, por que além da diversidade
existencial e cultural que engendra, é um lugar originário de força ou
potência social para uma etnia que experimenta a cidadania em condições
desiguais. Através do terreiro e de sua originalidade diante do espaço
europeu, obtêm-se traços de fortes subjetividade histórica das classes
subalternas no Brasil (SODRÉ.1988,p.18)
Retomando o conceito de
comunidade-terreiro, percebe-se que a mesma implica além da junção de
elementos dispersos e distantes, uma nova concepção de comunidade, que
agrega vivos e mortos, implica em uma relação de troca entre os vivos e
os ancestrais, entre deuses e seres humanos, implica ainda em uma visão
de ser humano que negocia com os deuses e ancestrais uma boa vida na
terra, uma vida alegre, criativa e em constante movimento, pois para o
Candomblé nada é estático, tudo é movimento, tudo é troca constante.
A idéia de movimento remete a um dos
elementos mais importantes do Candomblé, que a figura de Exu, senhor do
movimento sem fim, é responsável pela existência dinâmica da realidade,
tudo muda, seres humanos, árvores, pedras, todos são parceiros em uma
relação que é dada pela dimensão de um jogo cósmico. As possibilidades
vão sendo construídas e destruídas o tempo todo. O segredo da regra do
jogo encontra-se na palavra acerto, ou seja, acertar um ponto, fechar um
acordo, alterar uma situação, enfim simular e dissimular a realidade.
Uma grande figura do Candomblé, o professor Agenor Miranda da Rocha ,
dizia com propriedade: Candomblé é um sistema cuja base é Exu.
Assim sendo, na impossibilidade de um
ponto fixo de referência, e de uma conversão à uma verdade eterna e
imutável, como caminha a civilização ocidental
desde Platão, o Candomblé acena sempre com a possibilidade de se mudar o mundo e o destino. Busca-se enganar a morte, nem que seja por uma vez. O candomblé não se prefigura como um espaço de conversão à uma única verdade. Pertencer a uma comunidade-terreiro não exige o pressuposto da adesão a verdade, basta estar ali. Em uma festa ou cerimônia pública não se pergunta se a pessoa acredita ou não na divindade presente, ou nos princípios ali vigentes.
desde Platão, o Candomblé acena sempre com a possibilidade de se mudar o mundo e o destino. Busca-se enganar a morte, nem que seja por uma vez. O candomblé não se prefigura como um espaço de conversão à uma única verdade. Pertencer a uma comunidade-terreiro não exige o pressuposto da adesão a verdade, basta estar ali. Em uma festa ou cerimônia pública não se pergunta se a pessoa acredita ou não na divindade presente, ou nos princípios ali vigentes.
Os deuses existem independentemente da
fé. Deve se entender Candomblé como um espaço de enfrentamento do
projeto universalista da civilização ocidental. Na comunidade-terreiro o
homem é capaz de estabelecer uma relação de troca sem que sobre um
resto a ser apropriado economicamente e em favor de algum grupo
dominante .
dominante .
A comunidade-terreiro recria a
referência territorial-comunitária perdida em razão da escravidão. Os
negros e seus descendentes reconstituem possibilidades de enfrentar o
mundo que lhes é hostil e adverso.
Candomblé e Modernidade – considerações finais
O Candomblé, embora não se possa dizer
que esteja fora da modernidade, implica em pontos de enfrentamento a
esse projeto de ocidentalização do mundo pela lógica do mercado. Alguns
aspectos da comunidade-terreiro apontam na direção de negar a
modernidade. Entre esses pontos podem ser destacados: a relação com o
corpo, que deixa de ser uma mercadoria, a impossibilidade da reprodução
ad infinitum dos bens, a relação com o tempo e com o espaço.
A crença na palavra do pai fundador que
se traduz no culto à ancestralidade, o reforço do sentido coletivo do
agir humano que se choca frontalmente com o individualismo moderno; a
crença no movimento constante da vida e dos homens, a crença na palavra e
a desnecessidade de contratos escritos para garantir o cumprimento de
um acordo e finalmente a negação de um dos sentidos da existência, a
noção de axé. Para os adeptos do Candomblé a vida é um ato de alegria
que se perpetua entre os parceiros do cósmico. Mas viver o hoje não
implica uma visão pós-moderna de vida, um imediatismo infrutífero, mas
sim, uma relação de ética comunitária, a felicidade de um deve estar
imbricada com a felicidade de todos. Afinal isto é Candomblé.
Referências Bibliográficas
SODRÉ,Muniz, A verdade seduzida: Por um conceito de cultura no Brasil: Rio de Janeiro,CODECRI, 1983.
___________, O terreiro e a cidade: A forma social brasileira, Petrópolis: Vozes,1988.
___________, O terreiro e a cidade: A forma social brasileira, Petrópolis: Vozes,1988.
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